sexta-feira, 8 de abril de 2016

Tangente


"Não instalei o driver de áudio"

Duas horas de uma madrugada de sábado. Ele senta frente a tela do computador, a sala esta escura, as únicas luzes ali são do monitor e da janela sem persiana, um inicio de projeto a um futuro lar sem paredes, com sol por todos os lados, com nudez, e uma conta de luz gigante durante o verão. Ele digita uma frase ou duas, busca ainda automaticamente o cigarro ao lado do teclado, lembra que não fuma mais ao encontrar um pacote de chiclete no lugar. Pega, abre, tira um e leva a boca, escora o corpo para trás na cadeira. Ele, de cueca, samba, escuta os carros na rua, as pessoas da noite de sábado, o barulho dos pneus pela estrada. Estrada, de todas elas, seus pés, de tanto gostar de andar por ai, atoa, sem destino, se perder, pegar carona, chegar a lugares aonde dificilmente se quer chegar com solidão. Agora ele esta ali, a encontrar mais algumas palavras, pensa nas coisas do dia, seu filho crescendo, sua vida crescendo, sua esposa no quarto. Depois de pouco mais de um ano ele acertou o horário do cartório, mas foi ela que planejou tudo, ele sempre foi prudente, com ela, somente com ela, e isso era de causar uma raiva absurda nela. Pra que prudência depois de meia vida sem isso, justo com ela, não era logico, mas criava drama e tensão, e o relacionar deles estava longe de ser monótono, não era isso que eles procuravam, quando em meio aos montes ainda sim se digladiavam em combates verbais atrás de uma verdade deles que fosse para o mundo como uma luva. Eram os chatos do lugar, as pessoas os evitavam ao mesmo os consumiam, sumiam do mundo, com ele mesmos por dias, ela, ela por sua combatividade, ele por aquele opinião silenciosa que disparava com os olhos, juiz, não aprovei, aprovei, mas sem medalhas. E a vida nunca mais foi a mesma, e eles encontram assim seu mundo, a quem não se sabe, talvez virgulas soltas por ai possa dar uma nova historia. Então eles respiravam a quatro pulmões e falavam a duas línguas, era um casal, mesmo antes de ser, era.


Ele escuta sons do quarto, mas não vira para olhar, conhece aqueles sons, ela adormeceu depois do sexo, e agora ela o procurava pela cama, ele tinha essa coisa meio escorregadia na personalidade, dava medo, com o tempo esse medo se transformou em um sentimento de perguntar, onde andava, ou que fazia, mesmo sabendo onde achar ele, mesmo morando em sua cabeça, ela ainda tinha esse sentir natural, ele era dela, mas tinha que conviver com o fato que os pensamentos dele era do mundo, que as mesmas asas que ele a dava, era dele também. Ele temia, dia pós dia, e talvez seja mortalidade da vida, de perder ela por algum acidente, então ele sempre tentava ser atento aos seus silêncios, sempre atento aos seus bufar, ele queria ser parte dela, e cuidar dela por uma vida, se doar, ele desejava. Os sons saem do quarto, passam pela sala, em suas costas e vai até cozinha, escuta o som da geladeira e de copos. Ele volta a digitar, tenta se concentrar, a meses tenta colocar um contexto de minorias e suas historias, aquele tal legado anônimo que ele vai deixar a humanidade, ou a seus filhos. Os passos andam pela casa, ele digita mas olha sobre os ombros, ela anda bela pela sala, acende o abajur no canto da sala, pergunta se pode colocar musica, ele concorda monossilábico, eles estão juntos a tanto tempo mas ainda se tratam como estranhos, respeitam suas mutações, e a essas dão graças, a cada dia mais intensos um ao outro, uma novela brasileira sem fim, ela coloca um copo ao lado dele, você precisa relaxar, ele sorri silenciosamente e agradece, vodca com laranja. Ele para de escrever e recolhe o copo, toma um gole e vira para ela, linda, que suas formas morenas com o tempo só a transforma em uma mulher mais sexy, e que muitas vezes ele podia ainda ficar a olhando a dormir nua e imaginar como os deuses a concebeu com tanta beleza, ele era carnal muitas vezes, a tomava pelo corpo, mas a amava de verdade pela sua alma. Ela entendia isso a cada dia, que era meio bicho e meio herói; Ela foi para o sofá e se deitou de lado, aquele quadril tão amável repousa com harmonia a luz que bate, ela bebe seu drink e se estica. Pergunta sobre o que escreve, ele avisa que já mostra, manda imprimir e assim que ela escuta o som da impressora ela reclama, estou sem óculos, porque você não me fala? É divertido quando você narra. Não vou fazer isso agora, estou em uma linha, e toda vez que debatemos um assunto chegamos a outro e a outro,  minhas historias se transformam em um turbilhão de coisas, estão você pode pegar essas pequenas paginas ler e ver, entender, por onde anda minas ideias, e assim acrescentar das suas para que possamos conversar, depois. Ela suspira, ele levanta e vai até a impressora, pega as folhas e leva ela, ela bebe mais um gole, pega as folhas e faz beiço, você vai ter que pegar meus óculos, ele olha para quarto, distancia, deslocamento, ida e volta e fica pensando em silencio, fica assim por um tempo, ela se irrita e vai levantando, ele a para, não, não, não, não precisa, eu conto para você, ela reluta, ele a abraça, ela se debate, ele sorri ainda abraçado a ela e agora esta meio que agarrado aperna dela. Ela tenta morder sua mão e ele grita. Ele desiste implorando que contaria, ela sorri voltando ao seu lugar. Ele senta no chão da sala ao pé do sofá, pega as folhas, ela fica fazer um cafune nele. Ele com as folhas em mãos dá uma olhada. Explica parte da historia e ela levanta uma pergunta, mesmo sabendo que ele vai rodear mil vezes antes de dar a resposta, mas a essa altura ela já saca algumas coisas nele, então tenta atirar nas possibilidades finais, mas ele se perde cada vez mais e vai jogando o assunto de um lado a outro a até chegar na resposta. Ela levanta uma outra possibilidade, ele concorda e lembra quando conversaram sobre a Odisseia, que talvez suas historias produzidas a vinte dedos sempre fossem intermináveis. O que vai ser de nossos filhos? Dizia ele. Pensadores, homens ou mulheres afrente de seus tempos, justos e leais a sociedade. Pobres, respondia ele em tom de humor. Você sempre foi mais corajosa que eu, disse ele, sim, mas que te faltava atitude, hoje você é um pouco melhor que isso, na verdade você sempre foi bom nisso, mas sempre escolheu a forma silenciosa, como se fosse guardar de alguma coisa, nunca entendi isso em você, mas acho bonito como você faz algumas justiça sem procurar credito, gosto quando descubro ou você deixa descobrir, mas ainda não entendo bem o silencio. Quer dizer, acho que entendo, não é o reconhecer e sim o ato que tem valor. De como no inicio, como éramos somente nós dois contra o mundo, pelos cantos desta cidade, confusos por qualquer coisa, cheio de tarefas e coisas a formar, e hoje olhando a isso tudo nosso murro não tem mais que duas linhas de tijolos, pois toda aquela sociedade que pensamos em construir se descontrói quando viramos as costas. E talvez seja isso que nos complete um ao outro, o quanto de lucidez que damos um ao outro de forma que nossos sonhos não morrem, se transformam. Eu ainda te acho a mulher mais interessante de minha vida, interrompe ele. Eu ainda acho você o homem mais interessante de minha vida, mas isso porque nunca conversei com Leto, sorri ela. Ele pula sobre ela simulando uma revolta e deita sobre seu corpo, ele beija, morde e abraça. Ela se debate até fingir derrota, coloca mão dele no seio, ele sorri frente aos seus lábios. Ainda estamos começando, diz ele serio. Sim, responde ela, faz anos, mas ainda estamos começando. Parece que você me nasceu ontem, a garota de quem queria saber sem invadir seu espaço. Sim, parece que ainda é o mesmo cara que me olha quando viro para saber quem é, e depois some. Seriamos ainda estranhos? Certamente, responde ele, pois não tenho nenhum problema de memória, eu acho, ele sorri, mas amanhã vou olhar esses teus olhos gigantes e ainda vou me apaixonar como se fosse a melhor das novidades.