"Não instalei o driver de áudio"
Duas horas de uma madrugada de sábado. Ele senta frente a tela
do computador, a sala esta escura, as únicas luzes ali são do monitor e da
janela sem persiana, um inicio de projeto a um futuro lar sem paredes, com sol
por todos os lados, com nudez, e uma conta de luz gigante durante o verão. Ele digita
uma frase ou duas, busca ainda automaticamente o cigarro ao lado do teclado,
lembra que não fuma mais ao encontrar um pacote de chiclete no lugar. Pega,
abre, tira um e leva a boca, escora o corpo para trás na cadeira. Ele, de
cueca, samba, escuta os carros na rua, as pessoas da noite de sábado, o barulho
dos pneus pela estrada. Estrada, de todas elas, seus pés, de tanto gostar de
andar por ai, atoa, sem destino, se perder, pegar carona, chegar a lugares aonde
dificilmente se quer chegar com solidão. Agora ele esta ali, a encontrar mais
algumas palavras, pensa nas coisas do dia, seu filho crescendo, sua vida
crescendo, sua esposa no quarto. Depois de pouco mais de um ano ele acertou o horário
do cartório, mas foi ela que planejou tudo, ele sempre foi prudente, com ela,
somente com ela, e isso era de causar uma raiva absurda nela. Pra que prudência
depois de meia vida sem isso, justo com ela, não era logico, mas criava drama e
tensão, e o relacionar deles estava longe de ser monótono, não era isso que
eles procuravam, quando em meio aos montes ainda sim se digladiavam em combates
verbais atrás de uma verdade deles que fosse para o mundo como uma luva. Eram os
chatos do lugar, as pessoas os evitavam ao mesmo os consumiam, sumiam do mundo,
com ele mesmos por dias, ela, ela por sua combatividade, ele por aquele opinião
silenciosa que disparava com os olhos, juiz, não aprovei, aprovei, mas sem
medalhas. E a vida nunca mais foi a mesma, e eles encontram assim seu mundo, a
quem não se sabe, talvez virgulas soltas por ai possa dar uma nova historia. Então
eles respiravam a quatro pulmões e falavam a duas línguas, era um casal, mesmo
antes de ser, era.
Ele escuta sons do quarto, mas não vira para olhar, conhece
aqueles sons, ela adormeceu depois do sexo, e agora ela o procurava pela cama,
ele tinha essa coisa meio escorregadia na personalidade, dava medo, com o tempo
esse medo se transformou em um sentimento de perguntar, onde andava, ou que
fazia, mesmo sabendo onde achar ele, mesmo morando em sua cabeça, ela ainda
tinha esse sentir natural, ele era dela, mas tinha que conviver com o fato que
os pensamentos dele era do mundo, que as mesmas asas que ele a dava, era dele também.
Ele temia, dia pós dia, e talvez seja mortalidade da vida, de perder ela por
algum acidente, então ele sempre tentava ser atento aos seus silêncios, sempre
atento aos seus bufar, ele queria ser parte dela, e cuidar dela por uma vida,
se doar, ele desejava. Os sons saem do quarto, passam pela sala, em suas costas
e vai até cozinha, escuta o som da geladeira e de copos. Ele volta a digitar,
tenta se concentrar, a meses tenta colocar um contexto de minorias e suas
historias, aquele tal legado anônimo que ele vai deixar a humanidade, ou a seus
filhos. Os passos andam pela casa, ele digita mas olha sobre os ombros, ela
anda bela pela sala, acende o abajur no canto da sala, pergunta se pode colocar
musica, ele concorda monossilábico, eles estão juntos a tanto tempo mas ainda
se tratam como estranhos, respeitam suas mutações, e a essas dão graças, a cada
dia mais intensos um ao outro, uma novela brasileira sem fim, ela coloca um
copo ao lado dele, você precisa relaxar, ele sorri silenciosamente e agradece, vodca
com laranja. Ele para de escrever e recolhe o copo, toma um gole e vira para
ela, linda, que suas formas morenas com o tempo só a transforma em uma mulher
mais sexy, e que muitas vezes ele podia ainda ficar a olhando a dormir nua e
imaginar como os deuses a concebeu com tanta beleza, ele era carnal muitas
vezes, a tomava pelo corpo, mas a amava de verdade pela sua alma. Ela entendia
isso a cada dia, que era meio bicho e meio herói; Ela foi para o sofá e se
deitou de lado, aquele quadril tão amável repousa com harmonia a luz que bate,
ela bebe seu drink e se estica. Pergunta sobre o que escreve, ele avisa que já
mostra, manda imprimir e assim que ela escuta o som da impressora ela reclama,
estou sem óculos, porque você não me fala? É divertido quando você narra. Não vou
fazer isso agora, estou em uma linha, e toda vez que debatemos um assunto
chegamos a outro e a outro, minhas historias
se transformam em um turbilhão de coisas, estão você pode pegar essas pequenas
paginas ler e ver, entender, por onde anda minas ideias, e assim acrescentar das
suas para que possamos conversar, depois. Ela suspira, ele levanta e vai até a
impressora, pega as folhas e leva ela, ela bebe mais um gole, pega as folhas e
faz beiço, você vai ter que pegar meus óculos, ele olha para quarto, distancia,
deslocamento, ida e volta e fica pensando em silencio, fica assim por um tempo,
ela se irrita e vai levantando, ele a para, não, não, não, não precisa, eu
conto para você, ela reluta, ele a abraça, ela se debate, ele sorri ainda
abraçado a ela e agora esta meio que agarrado aperna dela. Ela tenta morder sua
mão e ele grita. Ele desiste implorando que contaria, ela sorri voltando ao seu
lugar. Ele senta no chão da sala ao pé do sofá, pega as folhas, ela fica fazer
um cafune nele. Ele com as folhas em mãos dá uma olhada. Explica parte da
historia e ela levanta uma pergunta, mesmo sabendo que ele vai rodear mil vezes
antes de dar a resposta, mas a essa altura ela já saca algumas coisas nele,
então tenta atirar nas possibilidades finais, mas ele se perde cada vez mais e
vai jogando o assunto de um lado a outro a até chegar na resposta. Ela levanta
uma outra possibilidade, ele concorda e lembra quando conversaram sobre a
Odisseia, que talvez suas historias produzidas a vinte dedos sempre fossem intermináveis.
O que vai ser de nossos filhos? Dizia ele. Pensadores, homens ou mulheres
afrente de seus tempos, justos e leais a sociedade. Pobres, respondia ele em
tom de humor. Você sempre foi mais corajosa que eu, disse ele, sim, mas que te
faltava atitude, hoje você é um pouco melhor que isso, na verdade você sempre
foi bom nisso, mas sempre escolheu a forma silenciosa, como se fosse guardar de
alguma coisa, nunca entendi isso em você, mas acho bonito como você faz algumas
justiça sem procurar credito, gosto quando descubro ou você deixa descobrir,
mas ainda não entendo bem o silencio. Quer dizer, acho que entendo, não é o
reconhecer e sim o ato que tem valor. De como no inicio, como éramos somente nós
dois contra o mundo, pelos cantos desta cidade, confusos por qualquer coisa,
cheio de tarefas e coisas a formar, e hoje olhando a isso tudo nosso murro não
tem mais que duas linhas de tijolos, pois toda aquela sociedade que pensamos em
construir se descontrói quando viramos as costas. E talvez seja isso que nos
complete um ao outro, o quanto de lucidez que damos um ao outro de forma que
nossos sonhos não morrem, se transformam. Eu ainda te acho a mulher mais interessante
de minha vida, interrompe ele. Eu ainda acho você o homem mais interessante de
minha vida, mas isso porque nunca conversei com Leto, sorri ela. Ele pula sobre
ela simulando uma revolta e deita sobre seu corpo, ele beija, morde e abraça. Ela
se debate até fingir derrota, coloca mão dele no seio, ele sorri frente aos
seus lábios. Ainda estamos começando, diz ele serio. Sim, responde ela, faz
anos, mas ainda estamos começando. Parece que você me nasceu ontem, a garota de
quem queria saber sem invadir seu espaço. Sim, parece que ainda é o mesmo cara
que me olha quando viro para saber quem é, e depois some. Seriamos ainda
estranhos? Certamente, responde ele, pois não tenho nenhum problema de memória,
eu acho, ele sorri, mas amanhã vou olhar esses teus olhos gigantes e ainda vou
me apaixonar como se fosse a melhor das novidades.