Depois de um tempo já estávamos escolhendo algum filme para
o fim de semana. Buscava-a em casa e na maioria das vezes, nestes finais de
tarde, fim de semana, o vento frio nos fazia e trazia alguma proximidade maior.
Escondi dela alguns ascos naturais de minha pessoa, o terror por pipocas, cor marrom
ou até mesmo filmes do Adam Sandler. Ela ainda vestia aqueles seus lindos
vestidos, e sim, por algum motivo, eu gostava de olhar como todo seu poder me
envolvia de forma ainda me silenciar somente para ficar olhando o tecido dançar
em seu corpo enquanto ela andava. A pergunta sempre obvia sobre qualquer coisa
que pudesse estar dando errado, e na verdade ainda era o mesmo engasgo da falta
de palavras que me fugiam, era só dizer “adorei”. Eu sabia que ela iria me
parar na meia dúzia de palavras dela e talvez fossemos sofrer da vaidade natural
dos jovens casais, por alguns meses esquecemos quem amamos, da forma como
conhecemos, e começamos a exibir nossos pares como lindos troféus pendurados na
parede de nossas casas, cabeças de alces gigantes, nos dias de hoje, redes
sociais.
Mas não era sobre isso que deveria falar, e talvez nem devesse tocar
de forma tão superficial e mal detalhista sobre o tanto de coisas, aqueles caminhões
enormes de entulhos por onde levamos todos nossos sentimentos ladeira baixo ao coração
do próximo. Quando ela me conheceu, bem, mal tinha reparado na armação de
seus óculos, e muito provável menos ainda fui notar a cor ou tom definido de
seus cabelos, ou falta de. Tinha um ponto ou reticências ali, e não fiquei
sabendo bem o que colocou meus olhos em seus lábios e tudo me parecia uma
penetração absurda em íntimo. Eu estava fudido, e não era por ter olhado e
notado tão pouco e ralo com ela, mas sim minha vida. Financeiramente entrava na
fase da falência e existe duas formas de uma pessoa que se aproxima
da meia idade de lidar com sua primeira falência financeira, ou ela enfrenta
tudo, corre atrás do prejuízo e vira o jogo em meio a depressão, traições,
duvidas, brigas, ódio e tudo de mais ruim que a vida somou e jogou na sua
cabeça, ou ele foge como um adolescente e volta ao berço dos amigos, família,
berço, até ter sua alma revitalizada e toda sua verve restabelecida. Então eu
escolhi o mais obvio do mortal, e fugi.
Fugi, pois não me vi nos cenários terríveis de todo o
início, porem por mais que para primeira opção eu coloquei adjetivos tão belos
e enfileirados para mostrar todo meu asco, medo, pavor em ver isso, na segunda
opção, você fica na margem de uma cara ou coroa. Nunca sabia o que poderia dar
certo, ou que muitas vezes poderia dar errado. É como confundir uma laranja com
um limão, depois você colhe, abre, chupa, bom, já é tarde.
Então você degusta a
fruta amarga e aprende apreciar este novo sabor com todas as caretas possíveis,
ou a joga fora e continua a esvaziar os limoeiros atrás do meu doce que fosse
lhe tocar a ponta da língua. Mas dentro desta filosofia, que me deixava sempre
o ponto de irritar ao maximo qualquer pessoa que fosse conviver comigo, talvez
a serenidade de sua miopia, ela, fosse sempre me fazer de alguma forma o bem
sentir entre os dedos, segurança, desejo. E fosse a independência tão natural,
ou a dependência tão profunda na cama, que mentira, estamos, estávamos, ligados
por um cordão fino de seda, que por muitas vezes nos dava mil voltas a fazer
nossa relação mais forte, por outro momento, os fios se desfaziam e nos
deixavam em vácuo de olhar, que para minha pessoa, o seu olhar triste muitas
vezes era poesia, e para ela, sempre meu terrível silencio como se a sede terrível
de ser adorada fosse lhe matar a qualquer momento.
E talvez por ela saber que
poderia dar isso para, pois assistiu isso de minha alma tantas vezes que foi difícil
pensar alguma vez em negar seu amor. Ela era uma pintura, que cliche, me
atormentava o fato de ver ela endeusada dentro de mim, aquelas frases todas de
poder, como ela pegava minha mão na rua, “VOCÊ É MEU”, como ela pegava minha
mão na cama, “me protege”. Eu poderia
conviver com isso por anos, e muitas vezes fui imaginando o peso da mão, as
rugas e tudo mais.
Fui esquecendo de mim mesmo e fui até mesmo a ficar mais
cinza que colorido. E acredito que essa seja o maior erro de casais, somo
criados de forma tão romântica que vamos nos deixando aos poucos e culpando o próximo
do que vamos a nos transformar. Nunca acontece. E para você que já se sente tão
vazio, que seu vasto e lindo amor loiro já não mais lhe estende a mão no meio
da noite. E que olhos tão despreocupados passam por seus e você nem nota que
todo o azar pode lhe correr mundo ao chegar na língua dele, bom, essa pessoa
ainda esta por lá. E provavelmente por muitos anos, aquela risada macia no meio
da noite o delírio da loucura na madrugada, a necessidade de ver as correntes
quebrando, ser criança foi e é a única sorte que podemos levar desta vida. Era sobre
esse sentimento que ela podia me dar que mais me emocionava. Era dela toda a
brincadeira no pátio, a gargalhada na sala, os banhos de chuva no verão, os
passeios terríveis nos parques de diversões, tenho medo de altura, o abraço
caloroso no inverno e blá, blá blá, era todas essas coisas me fazia até mesmo
no desafio de fumar cigarros escondidos quando eu sabia que até mesmo ela
fumava uma vez ou outra um trancada no banheiro pensando em todos os boletos
que os Correios insistiam em deixar por debaixo da porta.
Não era Paris nem
Nova Iorke, nunca seria, estaria mais e mais escondido em nuvens, provavelmente
fosse começar a brigar por coisas e manias pelas quais fossemos apaixonados,
nossos detalhes íntimos como até o chulé dela. E foi por ai, dentro desta
margem tão pequena de ações que eu só poderia fazer, ter, mais uma vez duas
ações que poderiam arriscar toda minha ainda jovem vida. Então te olhei embriagado
por todo esse sonho, e te dei “oi”, e apostei no mais arriscado, que talvez você
fosse também querer ficar comigo, e tudo isso passou, pouco mais de dois segundos,
quando olhei seus lábios.