segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Filho fiel


pode ser aquele ali, olhe só, tem cinco quartos. perfeito, ela responde, deve ser bem grande, espaçoso, então cada um de nós mora em um quarto, e deve ser tão grande que vamos levar alguns anos para nos encontrar ali dentro, quando acontecer, fazemos um filho, pelo corredor mesmo, depois colocamos ele em algum outro quarto e só o encontramos com vinte anos, para pedir dinheiro ou algo assim, provável. sim. seria perfeito.



misteriosamente ela ganhou ele, nem mais frieza ele tinha, nem mais monossilábico lhe restou ser. com ela, foi ficando a fazer planos, sonhar horizontes, desejar melhores dias e novos rumos, ele tinha novamente aquela criança nele, e desejava. ela não era o que se pode dizer de novidade, o que ela dava para ele se confundia com ele mesmo, então tinha alguma especie de completar fraterno que caminhava diversas linhas. ele por muito só a desejou como uma amante, fuga ela dizia, fora de sua ideia inicial de uma amiga espirituosa, ela foi ganhando traços mais íntimos ao seu pensar. ela colaborava com a rotação de seus pensamentos e longe de algum saber dele que o mesmo acontecia, por algumas vezes ele pode se sentir até mesmo enganado. ela parecia uma valsa suave, de inicio te pegava pé por pé, misteriosa entre tambores, mas com o tempo foi se mostrando como um tango quente, que te pega pelas pernas e te faz ferver o sangue. temia ele, no inicio de tudo, e quando ainda seus cabelos eram uma, ou alguma definição de suas vaidades, o mesmo destino cruel de alguns de seus personagens, dos mais favoritos e dramáticos, algo nele sempre o colocou na estrada mais dramática de que ele nunca conseguiria ter ou ser dela. A principio um Orfeu condenado a nunca mais ver o rosto de sua amada Eurídice, condenado por seu algoz maior, alguma especie de Deus, mas era ele mesmo. a percepção de condição pessoal lhe veio a luz, levou ele até ela. e certamente por ele nunca se agradar  a regra, ele pode abrir algum véu no vazio já do tempo, que poderia chegar nela, sem o medo do tempo. quem sabe ouvir sua voz, e quem sabe ter algum espaço de tempo para dizer o que tinha por ali, um amontoado de saudade. que lhe seria mais sincero com ele, e que se fosse, depois de tudo, o pouco dele despejado pela mesa dela, se fosse dela de ir, pelo menos o alivio do peso de poder se sentir declarado. se parar somente nisso, mas depois de algum tempo também sua própria ousadia lhe incomodava, a que ponto sua, e aquilo que ao mesmo fazem pessoas o amar e odiar lhe agradaria, no mais intimo de seu ser, morava a duvida de sua inquietação. para ele, ela sempre foi tão pura e grandiosa que ele a negou por algumas vezes, erroneamente, medo.medo de estragar o belo que via, sentia. sabia ele que ao pegar na mão dela desta vez, ele seria aquele ar que inflava os pulmões dos mais estranhos e órfãos de rua. suas verbalizações e poemas flutuariam por todo o ar, que depois disso, correr  risco de parecer louco, sonhador, antimatéria, incerto, ela se afastar, milhões de coisas poderiam acontecer de errado, mas a unica coisa que poderia dar certo aconteceu. cativada por aquela exótica imagem, talvez de todos os véus que ele, sempre uma odalisca misteriosa, uma criança inquieta, ficou mais parecendo uma satisfação dela com ele. era o minimo, talvez, que ela esperava, que ele fosse o autentico de seu calor, e ele lhe devia isso, que correspondesse ao todo que seus olhos faiscavam, que fosse mesmo tudo aquilo que dizia sem uma unica palavra. e logo ele, que se via tentando envolver, se viu mais envolvido no que ela tinha se transformado. ela ficou como um planeta para sua pessoal vida, e foi tomando todos os terrenos e abrindo caminhos pelos mares de sua alma. não foi fácil, não sera fácil, e possivelmente se ele contar isso a alguém sera mais fácil a um estranho. é simples, harmonioso e logico. tão logico que esta cheio de possíveis acidentes, por sua simplicidade possivelmente encontraram dezenas de barreiras, e por sua harmonia, certamente criaram dezenas de caos. então foi que em uma frase dita por ela, em um dezembro nublado de alguma época, um fevereiro que não venceu, ecoou por meses em sua cabeça ate o ponto do primeiro "oi" futuro. o "seja mais egoísta" dela tinha um tom de "seja feliz", então se permitindo a toda a pobreza de um apaixonado, cego para todas as outras coisas, e depois de um, dois por do sol, só os olhos dela lhe davam o nascer de um novo dia.



certamente ele queria se apaixonar por ela. e isso lhe ocorreu na primeira vez que a viu. e isso não lhe consumiu desejo maior até ter seus lábios ao dele. as incertezas silenciosas de seu inicio, e depois a voracidade de suas palavras. muitas vezes eles esquecem que é somente um inicio, e que nem isso pode se dizer ser, mas que ficam tentando organizar coisas de universos que colidem de forma constante, criando e transformando coisas, boas coisas, um sonho que beira a realidade de como são e podem continuar sendo tão fortes juntos. como a harmonia para as demais coisas colaboram para que seus olhares ganhem aquilo que es dele, o mundo sorri junto com eles, meio mundo com pão, outra metade já servida, eles sentam e se reconhecem na mesa, sabem das duvidas infinitas da vida lá fora, dos desejos que se transformam, mas ficam confortáveis a olhar para o lugar ao lado e encontrar seus olhos como filhos fieis de seus desejos.



então foi, nos levantamentos dela, e na necessidade dele de beber de um tudo que ela fosse, pois para cada canto dela o desejo de ser lhe tomava. a tragedia maior que a simples partida, ver ela sumir em meio a multidão tão apressada, saber que agora o amanhã é próximo, os lábios selado muitas vezes de desejo, fica com sede do mais que ele pode dar. um ensaio solitário dele para os dias que chegam. e as muitas luas que ele vai olhar sozinho imaginado se seu olhar cruza o dela em alguma noite. seu drama pessoal é tão intimo que ele sorri para tragedia sábio do prazer de ter ela do outro lado, para com ela já nasceu de muito, como é, são estas as condições, primeiro tinha por ali, era imagem, depois era toque, conhecer, e em um relacionamento tão cheio de despedidas silenciosas que existe, nele uma ansiedade para o dia que,  talvez, todo o caos que ele gera em sua cabeça, seja posto em alguma ordem. não sabe dizer se vai ser a ´pessoa que mais vai desejar ver ela novamente, e provavelmente seja a menos importante, mas fica no silencio dele, das declarações que parecem ser despretensiosas, que ele choraria de felicidade só de saber que ela vive feliz. onde for, e pra onde voltar.

Belchior - Musico e compositor brasileiro.