quarta-feira, 8 de agosto de 2018

3xistir

Vou te dizer que foi uma música que me fez pensar sobre nossas vidas, mas isso é uma mentira ou distração. Estava tudo lá, como sempre esteve, os colecionáveis de nossas vidas bem posicionados pela estante da sala, a espera de visitas em nosso lar, todos nossos lindos filhos sorrindo nas fotografias no final foram as únicas grandes vitórias que podemos dizer que carregamos com sucesso até aqui. A magia da vida adulta se perdeu na pilha de boletos, garrafas vazias pelas manhãs, notas em tubos para virar passagem na volta a de casa. O óculos torto na face enquanto mais um sol amanhecia. Mas não é importante nem necessário dramatizar, então vamos a alguns trechos da Star Treatment, canção que de me inspirou a essas palavras, esse pensar. Os versos deste poema musical simplesmente me foi capaz de colocar meu assento de ego no devido lugar. Sem luxo algum, com a humildade conveniente, vou dizer que as frases do poema ainda me deixam reflexivo.
“Ask your mates but golden boy’s in bad shape”, sim, totalmente fora de forma e sem algum sentido parecer, não me prestaria mais aos velhos shows que reproduzia, tenho que admitir meu tempo, e assim é minha melhor forma de seguir.
“Baby that isn't how they look tonight, oh no, It took the light forever to get to your eyes”, as coisas realmente não são como antes, e que bom que é assim. Tudo que posso ver agora das coisas boas que tive, estão tão distantes em minha cabeça que hoje quando olho mais próximo elas já parecem ter mudado ou simplesmente deixado de existir. É triste, elas ainda tem brilho, mas não estão mais lá.
“Maybe I was a little too wild in the 70s, back down to earth with a lounge singer shimmer, elevator down to my make believe residency, from the honeymoon suite, two shows a day, four nights a week. Easy money”. E talvez o trecho que mais ame da música, me diz que tudo que fiz foi de algum exagero desnecessário, um desgaste de gola que estica e não se recupera mais, que por mais que as aventuras fossem constantes, por muito tudo parecia sistematicamente a não me levar a lugar algum. E foram alguns meses somando isso, ou períodos de minha vida, jovem vida, somando os dias e noites, telhados desconhecidos, conversas que se perderam aos dias, uma maneira fácil de ganhar a vida encher os bolsos, consolar solidões, viver a vida de ninguém, ter a guerra que não é sua. Era tão real que hoje posso ver que me deixou um prato vazio para me alimentar ao resto da vida.
A música toda me fez pensar sobre os últimos anos, cada frase sua me atingiu de alguma forma, e talvez por alguma fragilidade minha ao momento fiquei direcionado a ter algo mais íntimo, isso, com ela. É como quando assisti watchman pela segunda vez, quase dez anos depois da primeira, duas tentativas de suicídios, erros graves de caráter, depois posso dizer que enquanto assistia ao início de filme me via muito e bem como o Comedian , e eu era um herói, alguém que a todos poderiam sorrir e contar boas histórias ou alguma história, por algum motivo aos anos fui traindo tudo isso, me enfiando em algum lugar onde só poderia estar no lugar que estava, sorrindo de minha solidão, esperando alguém quebrar a porta para em minha vida algum fim dar. No final era eu mesmo, mesmo sorridente por fora, meus dentes serrados ainda tinham um ódio do mundo que nunca fui capaz de explicar bem. Brinco que sou feito de algum material resistente, mas por ora somos assim, tão frágeis por dentro, que o palhaço por fora ganha mais espaço que as piadas por dentro. Ainda assim, ainda assim, vou viver meus duzentos anos. Para ver esse fim, tanto o seu, quanto o meu, essa terra só vai me engolir quando eu desejar.

Hoje quando chego em casa, o que me espera são salas vazias, paredes borradas de histórias, e luzes que parecem não iluminar direito a sala vizinha. Quando dei por mim já estava com trinta e quatro anos. Tenho um filho de cinco anos, três longas relações amorosas que se colocaram ao fim de minhas manias, e o início de uma quarta que parece me resgatar para antes de tudo isso, esperança. É estranho ver isso agora. E não se pode dizer que existe algum arrependimento sobre as coisas. Simplesmente tive que confessar ao mundo que tem coisas em mim que poderia me abreviar antes de planejado. Estou falando do álcool , a coisa que tanto me beneficiou socialmente se transformou em um problema não mais suportável de se viver. Tenho que confessar que minha total falta de controle sobre a medida desse me leva a ser uma pessoa que não desejo mais ser. Me desculpe você se toda aquela euforia te fazia feliz, se dividimos momentos épicos brindando uma e mais uma em algum lugar que não lembro mais, e é por isso, eu não lembro mais. Simplesmente não tenho total ciência do quanto era feliz ou quanto te fiz feliz, pois para muitas destas noites ou dias não lembro de quase nada. E não existe nada para se celebrar se não lembro de tudo que se passou. Estou preferindo minha felicidade contida, meu sarcasmo e educação lúcido que toda a ousadia e loucura que me possuía quando bêbado. Não posso dizer bem o que me tomou para fora do qualquer curso, não sei se foi as dores pelo corpo que a idade foi trazendo aos poucos, todos me sabem bem, correr andar, um fôlego dos deuses para tudo que era coisa, uma insistência em falar, ouvir, chegar, chegar e ir. Não existia limite, mas não era, ou até por alguma hora era, o álcool me tirava o tédio, o tédio era o estado de espírito. Só posso dizer que era maneira errada, foi a maneira errada de perder muitas coisas, foi a maneira errada de achar que ganhava muita coisa. Então por alguma hora ou outra, e quem sabe em uma manhã onde eu poderia decidir manter algum pedaço de lucidez neste mundo tão louco, decidi engolir a tudo isso sóbrio. E já se faz uns dois ou três meses, e a vontade ainda me desce garganta quando o sol corta esse pedaço de terra, e posso ver pela rua todos os rostos felizes dos meninos e meninas embriagados pelos bares, celebrativos com suas latas ou garrafas pelas ruas, eu a me encostar na macia obra de meu corpo, esperando o amanhecer de mais um dia para poder ter aqui com você em uma qualidade que possa vingar toda a propaganda que sempre me despeja que sou o melhor fazendo isso de meus dias. Foi importante a parada, não salvo de acidentes, mas derretendo a cada esquina de desejo de uma forma sólida, o meu mudar não tem a ver com seu cabelo, com a história que me conta, com aquela boca, nem aos dedos que prendem aos meus. O gesto é mais um suspiro de sobrevivência. Então vou chegando em casa, vivendo as incertezas do dia a dia profissional, e quando desço de meu ônibus estou tão solitário quando entrei pela manhã, a música me acompanha aos fones de ouvido, escuto piadas que sinto vergonha de ouvir e conto histórias que se perdem aos poucos da memória. Volta e meia ainda defendo algum ou outro soldado dos dias que viravam noites, dias assim, chego em casa e não é frio. Mas a casa é vazia, faço minha própria refeição, que tomado ou não por preguiça pode ou não sair ordinária. Os prazeres simples de tomar banho e ter tudo em ordem, cama quente, quarto aquecido, cigarros, silencio, um amor, que por logística, economia ou medo não divide mais que alguns dias da semana comigo. O bolo parece inteiro, mas se vou te falar que falta fatias, acredite, a culpa é minha. Como fui devorando beiradas do doce, agora a reconstrução dele pode parecer de algum ângulo problemática. O que posso ver agora, meu caro, é a mesma luz de prisma que me atingia ao adolecer , a leve melancolia de olhar a vida exatamente como funciona, de ser resgatado e curado por uma faixa de música, e de ser jogado dia a pós dia aos objetivos de um mundo que no final sempre vai me fazer correr atrás de algo que nunca realmente desejei. É justo viver isso? Sim, e me parece uma verdade consistente ao tempo que desejo estar. A verdade é que quero estar, ainda desejo esse pedaço de planeta tão lindo e sinuoso de curvas deliciosas na ponta de minha língua, mas não se pode negar que ao embalo que estava não passaria de sua cintura tão abusada a balançar a ponta de meu nariz. Não se faria tão feliz minha vida que não fosse para ter um prazer eterno, ou pelos menos mais constante de ter minha face enfiada em sua bunda por mais verões. É fácil, e estridente prazeroso as coisas que te compram mês a mês, fazendo seu esqueleto se movimentar cada dia de forma mais cega para o enriquecer de alguém que você nunca vai nem chegar perto. Ficou válido, ficou válido andar e largar as migalhas de caos pelo chão, perceber que em alguns momentos de minha fala, mesmo sóbrio de minhas loucuras, as coisas se embaralham e ainda estão tão próximo de destruir e construir para quando estava louco de álcool. Esse declarar é um tranquilizador íntimo, como o céu rosas que me beija a vista antes de sair do trabalho, sei que onde chego é bom, é um início como qualquer lugar, parece muitas vezes distante, me parece sem sentido alguns momentos, parece que estou no lugar errado, mas te ver daqui, não me faz melhor, só queria poder te dizer que de onde estou, posso tentar chegar mais longe, com alguma qualidade sadia de meus pensamentos, vou lembrando de cada alegria que me possui , vou deixando alguma para o que fui, mesmo que ele saiba que não será ou seria um adeus, meus "eu" desta jovem vida, tem sorrido para mim e dizendo para continuar. Só assim, pude inventar algo em mim que desde de minha tenra vida adulta não tive. A lucidez de viver ao lado de vocês existindo somente em suas histórias . “So who you gonna call?”

Nenhum comentário: